Anestesia opioid free ou Anestesia poupadora de opióides?

Em dois recentes editoriais publicados pela revista European Journal of Anesthesiologyforam debatidas as vantagens e desvantagens do uso de opióides durante a anestesia. A base inicial para a discussão do assunto é a crise de opióides que os Estados Unidos vêm enfrentando atualmente. Para se ter ideia da gravidade do tema, só no ano de 2018 ocorreram mais mortes relacionadas ao abuso de opióides do que em acidentes de trânsito no país americano. Outras preocupações relacionadas ao uso de opióides – como o desenvolvimento de hiperalgesia, recorrência de tumores, íleo e depressão respiratória – levaram à proposta da realização de anestesia sem opióides (anesthesia opioid free).

Sabe-se que os opióides são substâncias aditivas, principalmente se utilizados em altas doses e por longos períodos após a cirurgia. A utilização das menores doses possíveis, em associação com adjuvantes (anti-inflamatórios, analgésicos não opióidesanestesia regional) e pelo mínimo período possível, reduzem significativamente seus efeitos adversos e seu potencial de abuso. É importante lembrar que não são apenas os opióides que podem levar a adição. Outros fármacos comumente utilizados na anestesia, como benzodiazepínicos, propofol e cetamina podem gerar adição. Esses mesmos medicamentos fazem parte dos protocolos da anestesia opioid free.

A hiperalgesia induzida por opióides existe e corresponde à uma piora dos níveis de dor relacionado ao uso de opióides. Sabe-se atualmente que o uso de pequenas doses de cetamina no intra-operatório pode facilmente impedir esse efeito colateral. Quanto a recorrência de câncer, até a data de hoje não há estudos clínicos que comprovem essa teoria.

Muitas instituições andaram divulgando seus protocolos de anestesia livre de opióides. Enquanto que a analgesia multimodal associada à redução do uso de opióides vem se mostrando efetiva em diversas cirurgias, o uso da anestesia sem opióides não apresenta evidências suficientes para tornar-se uma rotina. Embora haja um número crescente de adeptos à anestesia opioid free, há pouquíssimos dados na literatura sobre a técnica. Encontram-se escassos ensaios clínicos e nenhuma evidência prospectiva de alta qualidade que embase a troca do modelo atual de analgesia multimodal para a opioid free. Não há dados que indiquem que essa nova técnica oferece um benefício real aos pacientes para justificar o uso destes regimes complexos e dispendiosos.

opióides podem apresentar importantes limitações e efeitos adversos, mas ainda apresentam um papel indispensável como potentes analgésicos na medicina contemporânea. Quando utilizados dentro da analgesia multimodal, em doses adequadas e por períodos limitados, permanecem como opção segura e efetiva para a dor perioperatória.

Material elaborado pela sócia: Patricia Wajnberg Gamermann
Fonte: Eur J Anesthesiol 2019; 3:250-254 e 247-249